INACABADO, CENTRO DE TIRO É APROVADO COM RESSALVAS POR ATLETAS E DIRIGENTES

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Elogios à estrutura e ao equipamento novo, que é alugado, contrastam com estande de finais por terminar, pedido de treinos do Brasil e problemas técnicos diversos

Sem estar totalmente pronto, o Centro Olímpico de Tiro Esportivo sediou a etapa do Rio de Janeiro da Copa do Mundo por dez dias. As competições do evento-teste para os Jogos Olímpicos 2016 transcorreram sem maiores transtornos, mas somaram-se reclamações de atletas e dirigentes em relação ao atraso das obras, que deveriam ter sido finalizadas no fim do ano passado, ao intenso calor de Deodoro e a detalhes técnicos, que talvez passem despercebidos para o público em geral, mas, para quem pratica, traz uma influência direta entre um bom ou mau resultado. Após o encerramento da competição neste domingo, o local vai ser novamente fechado para se finalizar principalmente o estande de finais, que foi improvisado para a Copa do Mundo, tanto que a cerimônia de abertura do torneio, que seria no local, foi cancelada pela Federação Internacional (ISSF), o que gerou críticas da Confederação Brasileira (CBTE) ao Comitê Rio 2016, que bateu na tecla de que tudo ficará pronto para as Olimpíadas.

Criado para o Pan de 2007, o Centro de Tiro fica em área que pertence ao Exército Brasileiro e, antes mesmo da reforma feita para os Jogos de 2016, já recebia elogios por ser absolutamente completo. Trata-se de um complexo com três pedanas (área de competição) de tiro ao prato, além de estandes de 10m, 25m e 50m para as provas de carabina e pistola, englobando todas as 15 disciplinas olímpicas.

– Eu me atrevo a dizer que é o maior e mais bem equipado da América, incluindo Estados Unidos e Canadá – afirmou Durval Balen, presidente da CBTE.

Estande de finais e ar condicionado
Todo mundo sabe: o estande de finais não está pronto. Nem Federação Internacional nem Comitê Rio 2016 se mostram preocupados com o tempo que têm até os Jogos para que a construtora Queiroz Galvão finalize o local onde serão disputadas as medalhas de carabina e pistola. Para a Copa do Mundo, foi montada uma arquibancada temporária e instalado um telão para acompanhamento dos resultados. Deu para o gasto. No primeiro dia de competições até uma escada improvisada de madeira encontrava-se na área, mas foi removida no dia seguinte.

– Já estamos alinhados com a prefeitura para a continuidade da obra. Faltam algumas coisas serem finalizadas como a arquibancada, o sistema de ar condicionado, o fechamento das áreas de tiro… Foi feita uma finalização temporária para a realização do evento-teste, mas agora a gente retoma e espera até os Jogos receber tudo certinho – disse Rodrigo Garcia, diretor de esportes do Rio 2016.

O ar condicionado, por sinal, fez muita falta diante do calor inclemente de Deodoro. Na área das finais, isso gerou incômodo nos atletas e no público, mas existe a promessa de que será instalado para as Olimpíadas. O projeto contempla a refrigeração apenas neste setor da disputa de medalhas e no estande de 10m, onde funcionou normalmente no evento-teste. No entanto, foi no estande de 50m que a campeã olímpica Du Li, da China, teve que abandonar a prova por não suportar a alta temperatura durante a disputa das eliminatórias da carabina três posições. Destaque brasileiro no esporte, Felipe Wu contou o que aconteceu:

– Não tinha ar condicionado, e no calor de Deodoro estava todo mundo sofrendo. Na quinta, uma atiradora chinesa, campeã olímpica, não conseguiu concluir a prova. Ela começou a passar mal, teve vertigem, foi levada para a ambulância. Mas faz parte. Para o evento-teste, tem que dar errado agora para depois ficar tudo bem – comentou o brasileiro.

Segundo os organizadores, porém, não há previsão de ar condicionado central na área interna que envolve os estandes de 25m e 50m, além dos corredores de circulação entre eles. Atletas e espectadores vão ter que torcer para realmente o clima ser mais ameno em agosto.

Uma boa estrutura
Não só de críticas viveu o Centro de Tiro na última semana. Muitos foram os elogios à estrutura por parte de atletas brasileiros e estrangeiros, mas os que mais agradaram o Comitê Rio 2016 foram os do presidente da ISSF Olegario Vazquez Raña, que fez projeções bem otimistas para o tiro esportivo nas Olimpíadas.

– Eu penso que o Centro de Tiro para as eliminatórias é um dos melhores do mundo. É algo que foi feito para os Jogos Pan-Americanos e continua em muito boas condições. Sem dúvidas, o que falta são as estruturas para as finais. Mas, parece que tudo vai terminar a tempo dos Jogos Olímpicos. Se a área for concluída e estiver boa, vão ser os melhores Jogos Olímpicos para o tiro da história – profetizou Vazquez Raña.

O brasileiro Julio Almeida, que foi confirmado pela CBTE na equipe olímpica após seu desempenho na Copa do Mundo, viu melhoras em todos os estandes de competição.

– O estande de 10m está mais ou menos o que era antes, mais pintadinho, deram um retoque. O ar condicionado está funcionando melhor, porque estava com problema. Os estandes de 25m e 50m estão no mesmo padrão, mas claro que trocaram a madeira que já estava apodrecendo. A aparência está melhor, mas, em termos de qualidade, é a mesma que já tinha antes, que era muito boa. Acho que a gente não está devendo nada a nenhum lugar por aí – afirmou Julio.

Estrangeiros como o chinês Zicheng Hui, que quebrou o recorde mundial na final de carabina três posições neste domingo, também elogiaram, sem deixar de fazer algumas observações.

– Em geral, as instalações estão muito boas. Ainda não está completo, há muito por fazer, como o teto, que não tem cobertura completa. Pode-se mudar algumas coisas ainda, é um custo, mas acredito que vai ficar tudo pronto até as Olimpíadas – disse Hui.

Treinos no Centro de Tiro
De forma unânime, os brasileiros e até mesmo a CBTE reclamaram que o atraso das obras não permitiu que fosse feito um reconhecimento prévio antes da Copa do Mundo, o que fez com que o fator casa, importante em qualquer esporte, deixasse os atletas nacionais mais à vontade no Centro de Tiro, em Deodoro. Os teóricos donos da casa iniciaram os treinamentos no mesmo dia dos visitantes internacionais. Com a continuidade das obras, a equipe nacional não poderá se preparar no local dos Jogos. E a negociação para que isso aconteça é bem mais complexa do que parece. Os atletas se mostraram pessimistas, a CBTE prefere uma cautela com tendências otimistas, a ISSF não vê problemas no pedido, enquanto o Comitê Rio 2016 negocia.

O pedido dos atletas brasileiros não é incomum. É até natural que os donos da casa se ambientem ao local de competição antes dos visitantes. A torcida dificilmente se manifesta, a não ser nas finais, e não influencia em uma fase eliminatória, portanto o conhecimento dos detalhes de vento, posicionamento, iluminação do alvo e do ambiente podem ajudar na preparação para um bom resultado.

– Acho que não vai acontecer, ao menos que todo o cronograma (das obras) ande muito certinho. É um fator que teríamos como vantagem. No tiro, não existe torcida. Mas estamos um pouco desmotivados nesse sentido. O vento, por exemplo. Toda a movimentação, o atleta tem que conhecer. Dependendo, venta mais da esquerda para a direita. Se conhece isso antes, é uma vantagem – explicou Rosane Budag, atleta brasileira da carabina.

Felipe Wu fez coro com a namorada Rosane para que o espaço seja liberado para os treinos do Brasil. Ele lembrou que o país-sede sempre conseguiu alguma vantagem e que treinar no Centro Olímpico poderia ser a da equipe verde e amarela no tiro esportivo.

– O que eu espero é que em julho a gente possa treinar lá. A minha briga a cada dia é que eu estou enchendo o saco do COB (Comitê Olímpico Brasileiro) e da Confederação (CBTE) para que, de alguma forma, a gente possa treinar lá porque isso vai ser muito importante. A única vantagem que a gente pode ter é essa, então espero que seja possível. O mais importante não é saber o que tem que mudar ou se vai ou não mudar, mas poder treinar lá e se adaptar ao que tem. Por mais que seja ruim para a gente, tem que se adaptar – afirmou Wu.

A única certeza é que no dia 24 de julho abre oficialmente a Vila Olímpica e todos os atletas do mundo terão cerca de duas semanas para treinamentos. A CBTE, porém, apoia os atletas e está negociando uma liberação anterior para a o time brasileiro se ambientar antes nas áreas de competição.

– Esse é o maior pecado que vai atingir os atletas. A gente tem Olimpíadas em casa e, por causa de atraso de obras, que é um reflexo financeiro e até político do país, vai nos tirar essa oportunidade que seria uma vantagem muito grande em relação a outros países. Estamos negociando, e o Comitê Olímpico está envolvido, no sentido de pedir ao Comitê Rio 2016 para negociar junto com a construtora (Queiroz Galvão) para, mesmo que a obra continue, deixar alguns alvos e pedanas do tiro ao prato liberados para a gente efetuar algum treino aqui. A negociação está em andamento – garantiu Ricardo Brenck, vice-presidente da CBTE.

Da parte da Federação Internacional, o presidente Olegario Vazquez Raña também não vê qualquer problema em liberar o Centro de Tiro para os brasileiros. Na sua própria experiência, ao disputar as Olimpíadas de 1968, na Cidade do México, ele integrava a equipe mexicana de tiro, que treinou por alguns meses antes dos Jogos nos locais de competição.

– A Federação Internacional está totalmente de acordo para que os atletas do Brasil possam treinar aqui. Se for necessário, que me peçam e eu dou uma carta que autorizamos os esportistas brasileiros a treinarem aqui – prometeu o dirigente.

Já o Comitê Rio 2016 colocou empecilhos para aceitar os treinamentos da equipe brasileira. O diretor Rodrigo Garcia inicialmente citou que a carta olímpica pede que se mantenha um sistema de igualdade e que não se pode dar chance para apenas um grupo de atletas. Depois, ele mostrou preocupação com o custo operacional para a utilização do Centro de Tiro pelos atletas do Brasil. Por fim, ao saber que a Federação Internacional aprovava o uso das instalações, admitiu que há uma negociação para que os treinos sejam permitidos. Faltaria, segundo Garcia, apenas uma autorização, que ele não disse exatamente qual era, para fechar a questão.

A autorização pendente que o Comitê não mencionou é da Omega, responsável pela cronometragem e resultados dos Jogos Olímpicos, que alugou as máquinas de tiro ao prato junto à empresa francesa Laporte, e os alvos para carabina e pistola da suíça Sius.

– A Omega, empresa responsável pelos resultados e pela locação desses alvos, tem responsabilidade sobre eles. Ela não quer deixá-los expostos. Como isso é alugado, para não sofrerem nenhuma penalidade sobre o contrato que têm com os fabricantes, eles vão evitar desses alvos serem usados. É uma posição até lógica por parte deles que não tem nada a ver com isso. Essa negociação vai ter que envolver o locador dos alvos. Se a construtora disser que libera um lugar de treinamento sem obras para os atletas, vamos ter que correr em quem alugou os alvos para saber se eles também liberam esse canto para a gente treinar. Vai ser uma negociação complexa – resumiu Ricardo Brenck, vice da CBTE e também diretor técnico.

Rodrigo Garcia, do comitê organizador, chegou a dizer que as máquinas e alvos foram adquiridos pelo Exército Brasileiro com recursos liberados pelo Ministério dos Esportes e seriam um legado dos Jogos do Rio para o tiro esportivo. Podem até vir a ser, mas ainda não são, de acordo com Luciano Parreira, representante da Laporte no Brasil. Cientes da crise econômica no país, as fabricantes internacionais pedem que uma empresa, que responda juridicamente pela aquisição, faça a compra para que seja fechado o negócio. A princípio, as máquinas de tiro ao prato ficam no Brasil, ainda faltando finalizar a compra, já que é o material mais avançado do mercado. Já os alvos voltarão à Suíça, pois há material modernizado que pode ser adquirido pelo Exército posteriormente aos Jogos.

Bandeira da discórdia
No estande de 50m, a atleta brasileira Rosane Budag reclamou das bandeiras que se localizam entre o atleta e o alvo, que se mexiam pouco. Elas ajudam a medir a intensidade do vento e saber a melhor hora de atirar ou de ajustar a pontaria mais para um lado ou outro. O americano Matthew Emmons, campeão olímpico, confirmou essa impressão, mas até prefere que não se mexa nisso já que consegue medir a velocidade do vento só de olhar.

– As bandeirinhas poderiam ser um pouco mais leves para ver como está o vento. Elas estão muito pesadas. Mas, na verdade, eu espero que eles não mudem porque é uma vantagem para mim. Eu consigo descobrir como está o vento apenas olhando e é uma vantagem para mim e desvantagem para os outros, espero que mantenham a mesma – brincou o americano.

Responsável pela compra do material, o Comitê Rio 2016 disse que só usa material homologado pela Federação Internacional, mas admitiu que pode ter acontecido um engano.

– Cada disciplina tem um responsável por validar o aspecto técnico para a Federação Internacional de toda a competição. Este tipo de detalhe, eu particularmente me atrevo a dizer que não vai passar pela nossa equipe técnica, que é extremamente meticulosa e cautelosa com equipamentos esportivos. Então é muito difícil isso ter passado, mas pode acontecer. Não vou falar que não, pois pode ter acontecido. É importante receber esse retorno dos atletas, porque a gente checa de novo, se for necessário, e troca – explicou Rodrigo Garcia.

Tudo verde!
Outra queixa dos atletas diz respeito ao estande de 10m e seu fundo verde. De acordo com eles, o fato de o centro do alvo ser escuro atrapalha a precisão, tendo que fazer adaptações nos óculos, na mira e em outros detalhes para acertar na mosca.

– Achei um pouco escuro. Se fosse mais claro seria melhor, principalmente a parede atrás do alvo. Aquele verde escuro com a mira escura atrapalha a gente – disse Julio Almeida.

No entanto, aparentemente os atletas terão que se acostumar com o verde das paredes atrás dos alvos. O próprio presidente da ISSF Vazquez Raña considerou que isso não vai afetar no desenvolvimento da prova.

– Todos os atiradores sempre dão um desculpa (risos). Se está verde, vão dizer que querem branco. Se estiver branco, vão dizer que querem amarelo… Nunca vão estar totalmente contentes. Mas, na minha opinião, está tudo bem – assegurou o mexicano.

O Comitê Rio 2016 não teria problemas em fazer uma nova pintura, apesar de considerar importante que o verde seja predominante por ser a cor dos Jogos 2016. Recentemente, a Federação Internacional de Tênis criticou as quadras verdes das Olimpíadas, e os organizadores irão mudar para azul.

– O nosso look, a parte de comunicação visual dos Jogos basicamente prima pelo verde e é um ponto que, para a gente, é de atenção. Se for o caso, a gente pode mudar, porque isso não é difícil. É só uma pintura que não tem tanta dificuldade de ser alterada – considerou o diretor Rodrigo Garcia.

Lounge dos atletas
Outra questão levantada pelos atletas foi o tamanho do lounge dos atletas, onde eles relaxam antes das provas e buscam concentração para entrar bem nos estandes e pedanas. Na Copa do Mundo, foi reservado um local intermediário exatamente entre a área de tiro ao prato e a de carabina e pistola. O brasileiro Julio Almeida não aprovou a área e pediu melhorias.

– Achei a sala pequena. Aquele lounge poderia ser bem melhorado, colocar uns sofás por ali. Cheguei cedo, queria um lugar para me esparramar ali e não tinha. Você senta numa cadeira normal e, às vezes, passa horas. Cheguei três horas antes da prova e fiquei um tempão sem um lugar adequado para descansar. Não sei se vão, mas poderiam melhorar – pediu o atleta.

CBTE e ISSF concordaram com essas observações de que o lounge era pequeno para abrigar todos os atletas e comissões técnicas. Ricardo Brenck, da Confederação Brasileira, sugeriu até que se encontrasse um local para montar um espaço alternativo exclusivo para os atletas de carabina e pistola, deixando o atual para os de tiro ao prato. Olegario Vazquez Raña, da Federação Internacional, citou um acordo para que esse espaço seja encontrado.

– Eles precisam de um pouco mais de espaço (no lounge). Temos um acordo para que esses espaços sejam mais completos, mais amplos, para dar conforto aos atletas – afirmou o dirigente.

Apesar do otimismo dos dirigentes do tiro esportivo de que os organizadores vão encontrar uma solução para o problema, o Comitê Rio 2016 se fia na ideia de que, como a Copa do Mundo tem mais participantes do que as Olimpíadas, o lounge apenas pareceu pequeno, o que não significa que vão desconsiderar as críticas.

Outras questões
Houve mais críticas como iluminação dos alvos de 50m, a mudança de luz amarela para branca nas provas de 10m e os pratos que, mesmo quando atingidos, eventualmente não quebravam, fazendo com que alguns atletas perdessem pontos certos. Sobre essa última, o Comitê já se movimentou junto à Laporte, fabricante do material, para providenciar uma nova remessa. A preocupação com o trânsito também foi criticada mais de uma vez, principalmente pelos estrangeiros. O presidente Olegario Vazquez Raña espera pelo sucesso do Brasil nas Olimpíadas para fazer crescer o esporte por aqui.

– Temos que dar toda ajuda porque as Olimpíadas vão ser muito importantes. Que seja tudo organizado, haja transporte, comida, que tudo esteja bem. Sem dúvidas, é muito importante que o Brasil ganhe alguma medalha no tiro. Vai ser muito bom para o esporte – disse o dirigente.

*Com a colaboração de Matheus Tiburcio.

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