Todos aqueles que se envolveram de alguma forma na Campanha do NÃO, ou que votaram pelo NÃO no Referendo de 23 de outubro de 2005, não podem deixar de ler o livro de Chico Santa Rita, Novas Batalhas Eleitorais (Ediouro Publicações, 2008, 272 páginas, R$39.90).
Para os que não sabem, Chico Santa Rita foi o estrategista da vitoriosa Campanha do NÃO no referendo que perguntava aos cidadãos se eles queriam a proibição da venda de armas de fogo e munição em todo o território brasileiro [*]. Em linguagem simples, sem fazer uso do publicitês ou marquetês, o autor nos conta toda a emocionante história de como um grupo de trinta pessoas, trabalhando com recursos escassos, premidos pela escassez de tempo e enfrentando um adversário formidável, conseguiu, em pouco mais de um mês, virar o jogo de forma inédita em batalhas eleitorais em nosso país. De fato, esse ”Exército Brancaleone” ousou enfrentar a maior máquina de guerra que jamais havia sido montada no Brasil: o Executivo, Legislativo e o Judiciário, apoiados maciçamente pela chamada grande imprensa (com exceção da revista Veja e alguns jornais regionais), ONGs (Viva Rio, Sou da Paz e outras), governos estrangeiros (Reino Unido), fundações internacionais (Ford, Rockefeller, Soros, Small Arms Institute) e, pasmem, até companhia de aviação (a falecida Varig), se reuniram para, qual o rolo compressor que usaram para esmagar armas velhas e imprestáveis – devolvidas por alguns otários e viúvas assustadas – banir de forma definitiva, e para sempre, o direito sagrado do cidadão de comprar uma arma para defender a si e sua família, isto num país que conta com uma polícia destreinada e desaparelhada e onde a bandidagem (aqui me refiro a bandidos mesmo, não a um certo pessoal que circula por Brasília), hoje domina amplos setores da população, em especial os mais carentes.
Em setenta e oito páginas, mais ou menos um terço do livro, Chico Santa Rita conta em detalhes cada batalha que foram vencendo, as dificuldades que tiveram de superar, desde a falta de dinheiro até decisões da Justiça Eleitoral – no mínimo estranhas, como quando o TSE determinou que a geração dos programas de rádio e TV fosse feita a partir da TV Cultura de Brasília. O leitor não entendeu qual o problema? Deixe-me explicar: os programas da frente do NÃO eram produzidos em São Paulo e, portanto, deveriam ser, diariamente, enviadas por avião a Brasília. Por uma incrível “coincidência”, a turma do SIM, com dinheiro a rodo para gastar, tinha estruturas contratadas no Rio e em Brasília…
Não pretendo fazer um resumo do livro, nem tirar dos potenciais leitores o prazer de tomar conhecimento da história toda, mas para terem idéia da tarefa hercúlea que tinham pela frente, vou mostrar duas situações: segundo o Datafolha, em pesquisa realizada em 6/7 de abril de 2005 – portanto seis meses e meio antes do referendo – 83% da população era contra a venda de armas e apenas 14% a favor. Abertas as urnas em 23 de outubro daquele ano, o resultado final foi: 63,94% a favor do comércio de armas e 36,06% contra. E não foi apenas uma vitória regional, em que uma maior densidade populacional resultou na vitória do NÃO; ou seja: daqueles que acreditavam no direito de comprar, se e quando quisessem, uma arma. O NÃO foi vitorioso em TODAS as cinco regiões geográficas do país, em TODOS os 26 estados e no Distrito Federal, em TODAS as capitais brasileiras, em nove das dez maiores cidades não capitais do país (o SIM só ganhou em Jaboatão dos Guararapes – PE, por 51.5% contra 48.5 do NÃO).
Em suma, parodiando o Grande Apedeuta que nos governa: nunca na história das votações neste país o povo brasileiro deu uma resposta tão inequívoca, tão arrasadora a uma idéia idiota, produto de um Congresso que, hoje sabemos, minado por mensaleiros, aceitadores de propina, aloprados e outras classes de corruptos. Nunca antes um poderoso conglomerado de imprensa envolveu-se, de forma parcial e antiética, em um tema do qual deveria ser o portador isento das informações para ajudar no esclarecimento da população. Nunca ONGs e grupos estrangeiros envolveram-se de forma escandalosa em conúbios (não confundir com Delúbios) indecorosos, a ponto de a Justiça Eleitoral proibir duas ONGs (Viva Rio e Sou da Paz) de participar da campanha que antecedeu o referendo, sob a acusação de receberem polpudas contribuições de entidades e governos estrangeiros para servirem de boneco de ventríloquo dessas entidades.
O que dá credibilidade a Chico Santa Rita é o fato de que, ao contrário de outros marqueteiros políticos, ele não é do tipo que faz campanha para Paulo Maluf em uma eleição e Lula em outra, nem aceita pagamentos em moeda estrangeira depositados em paraísos fiscais. Da mesma forma, só aceita trabalhar para pessoas ou idéias em que acredita. Foi o caso da Campanha do NÃO.
E como foi conseguida tão espetacular vitória em tão curto espaço de tempo? Leiam o livro. Como escrevi acima, ele é imperdível.